Íntegra da entrevista concedida à revista Sentir bem.
SB: O medo é um sentimento intrínseco à natureza humana?
Mariuza: Sentir medo é natural e todas as pessoas sentem, num ou noutro momento de suas vidas. Sua existência é essencial porque quando sentimos medo nos colocamos em estado de alerta e uma descarga de adrenalina percorre nosso corpo, preparando-o para a melhor saída possível: lutar ou fugir diante de um perigo real. Essa é a função saudável do medo.
SB: O medo pode se manifestar em qualquer situação?
Mariuza: O medo se manifesta de formas variadas, em função das circunstâncias, do perfil psicológico, do tipo de vida que as pessoas levam, tipo de informações que acessam, local em que habitam, etc. É muito natural que sintamos medo diante do novo, que fiquemos ansiosos diante de uma situação que não dominamos. Quando se fala em medo, podemos pensar também nas variantes ansiedade, insegurança, fobias, bem como do medo real em relação à violência à nossa volta, etc.
SB: É possível deixar de ser medroso?
Mariuza: Sim. Todo mundo pode aprender a lidar com as situações que surgem ao longo de sua vida de uma forma saudável. A pessoa que está sofrendo muito, devido ao medo constante e/ou excessivo, deve procurar a ajuda de um psicólogo para entender o que é que a faz sentir-se assim, a conhecer seus mecanismos de defesa e a desenvolver seu potencial de criatividade e defesa. Durante o processo terapêutico, ela aprenderá a ver o medo como um amigo que chama sua atenção e ativa seus melhores recursos de enfrentamento às mais variadas situações.
SB: O que é o medo imaginário?
Mariuza: É aquele que ocorre pela ansiedade em relação a algo que possa vir a acontecer, mas que ainda não existe realmente. Quando alguém é ansioso demais, muito inseguro ou portador de uma auto-estima muito baixa, torna-se vulnerável a qualquer tipo de situação, mesmo aquelas que não oferecem perigo real. Passa a imaginar perigo onde ele não existe e a sofrer sem necessidade. Essas situações são complexas e precisam ser analisadas caso a caso porque, em geral, se referem a uma história de vida na qual foram construídas crenças disfuncionais acerca da própria capacidade de enfrentamento da pessoa.
SB: Muito se tem falado sobre o medo instaurado após os atentados de 11 de setembro. No seu ponto de vista: O que mudou, de fato, após essa data?
Mariuza: O 11 de setembro foi um terror, um marco negro para a sociedade norte-americana, acostumada a intervir agressivamente em terra alheia, sem ter experimentado seu sabor na própria pele. Uma tragédia, sem dúvida, em que muitos inocentes morreram ou ficaram incapacitados, mas nada muito diferente do que ocorre nos países que vivem em constante estado de conflito. O diferente, no episódio da tragédia do 11 de setembro, foi a constatação de que um
povo que até então acreditava estar além desse perigo, teve que enfrentá-lo também e reconhecer a própria vulnerabilidade.
SB: Quais são, sob a sua ótica, os principais anseios, temores e fantasmas do mundo moderno?
Mariuza: A possibilidade de terrorismo e violência descontrolados, a escassez de recursos naturais imprescindíveis à vida (como a água, por exemplo), o desequilíbrio ambiental e suas nefastas conseqüências (como a contaminação por produtos tóxicos, chuva ácida, superaquecimento global), a fome, o materialismo e o consumismo desenfreados, o altíssimo nível de controle de opinião da mídia sobre as pessoas, para citar alguns dos mais gritantes.
SB: Qual a diferença entre medo e fobia?
Mariuza: O medo pode ser específico ou difuso, real ou imaginário, de ocorrência circunstancial. A fobia é sempre um medo excessivo em relação a um objeto específico, como a agorafobia (medo de lugares amplos e cheios de gente), claustrofobia (medo e lugares fechados), medo do escuro, de serpentes, de aranha, de barata, de avião, etc.
SB: Medo de barata, medo de avião, medo de solidão, medo de traição, medo de perder o emprego, medo de que os desejos se realizem, medo de elevador, medo do escuro, medo da dor física... São tantos que poderíamos enumerar muitos outros além desses. E quem sente medo considera que o seu é maior e mais aterrorizante do que o do outro.
Como lidar com essas situações que, muitas vezes, nem são reais e pertencem ao imaginário?
Mariuza: Considero a psicoterapia o instrumento mais valioso para ajudar qualquer pessoa a controlar suaa ansiedade e adquirir o equilíbrio necessário para que sinta medo somente quando for necessário que o sinta. O portador do medo excessivo ou de uma fobia sente-se solitário e crê que seu medo o controla – o que, em muitas casos, realmente ocorre – passando a ter prejuízos em sua vida, que vão desde limitações no âmbito social quanto no desempenho de algumas profissões ou incapacidade de estabelecer um relacionamento íntimo. Essas pessoas precisam de ajuda e podem se beneficiar muito com o processo psicoterapêutico, cujo papel será levá-las a enfrentar suas dificuldades de forma gradual e sistemática até que adquiram o controle sobre si mesmos e deixem de estar à mercê de seu imaginário.
SB: O medo pode atrapalhar a ponto de "paralisar", por exemplo, a vida de uma pessoa?
Mariuza: Sim. Nos casos mais graves, a pessoa chega a isolar-se completamente, sentindo-se impedida de qualquer avanço rumo à socialização ou à realização de seus objetivos.
SB: Quais as ferramentas de que a Psicologia dispõe para o tratamento das causas do medo?
Mariuza: São várias as escolas psicológicas e, portanto, há diferentes abordagens e estratégias para se lidar com o medo. O que parece haver de comum entre elas é que a história de vida do cliente é a chave que elucidará como, onde e porque aquele medo específico se instalou. As abordagens mais mentalistas tenderão a focar a interpretação e a reconstrução da história de vida do cliente, como forma de oferecer-lhe os insights necessários para que desfaça as associações negativas ou disfuncionais que geram sofrimento. Abordagens mais focadas na supressão dos sintomas ensinarão estratégias de enfrentamento da fobia específica, fazendo acompanhamento sistemático da evolução do tratamento. Considero fundamental que o psicólogo esteja bem atualizado em relação às várias escolas psicológicas para que possa valer-se de recursos das várias abordagens existentes em função das necessidades de seu cliente.
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Matéria publicada no site sentirbem.com, agosto 2006.
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Fontes:
MARIUZA PREGNOLATO
Psicologa clinica
CRP- SP 61530/0
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